Sonzinho um montador de verdade
O mais famoso da região
Chicoteava por vaidade
Sem dó nem compaixão
Forte, valente e destemido
Sinônimo de bravura e coragem
Tornou-se bastante conhecido
Por domar animal selvagem
Mas ele não imaginava
Que seu reinado fosse ao chão
E que no seu caminho estava
O tal burro Jamelão.
Numa fazenda coberta de mato
Situada nas entranhas da serra
Do senhor Raimundo Nonato
Um homem filho da terra
Havia uma velha burricada
Eram quarenta na totalidade
Todos de crina virada
Acima dos três anos de idade
Ariscos e de cangotes virados
Passados da fase de montaria
Esperando um domador preparado
Que não demonstrasse covardia
Sonzinho por conhece as malícias
Da difícil arte de amansar
Ao saber da bela noticia
Procurou o criador pra conversar
Fizeram um negocio combinado
Foi assim a boa combinação
O montador passar a ser empregado
E o criador a ser patrão
Pra justificar a sua fama
Ele partiu na mesma hora
No meio da semana
Burros já entravam na espora
Cada um por sua vez
Era pegado por bem ou por mal
Ainda em menos de um mês
A maioria já conhecia o curral
Trinta e nove burros foram montados
Selados com o mesmo arreamento
Foram todos bem educados
Em um curto espaço de tempo
Mas, lembram da quantidade?
A quantia estava incompleta
Faltava mais uma unidade
Pra soma dar correta
Como diz o velho ditado
O rabo é duro de desolar
O burro mais endiabrado
Tinha ficado sem encontrar
Mas, tudo tem seu dia
Bem assim a verdadeira razão
O destino por pura tirania
O colocou a frente de Janelão
Naquele instante o ar ficou nublado
Dentro da baixa do Grotão
Foi um encontro sagrado
Ali na larga do Capão
Sonzinho esperto invocou Santo Antonio
O burro urrou abalando a natureza
Parece ate que o demônio
Usou da sua maldita proeza.
Pedra despencou da ribanceira
Onça rosnou assustada
Mocó piou detrás da trincheira
Cobra deu bote enraivada
Saíram em grande disparada
Gato, raposa, veado e caititu
Fugiram á procura da morada
Macaco, coelho, paca e tatu
Entristeceram-se pássaro preto, sabia e bem-te-vi
Escafederam-se zabelê, aranquã e jacu
Voaram rolinha, gaviões e juriti
Esconderam-se perdiz, codorna e nambu
Calango escorregou no lajedo
Rato espirrou da toca
Querendo descobre o segredo
Sapos saíram da loca
O vento invadiu grutas e gretas
Os insetos fugiram pelo arroto
Morcegos misturam-se com borboletas
Cambitos embaraçavam-se com gafanhotos
No meio daquela ventania
Corriam boatos e fofocas
Nenhum ser vivo se entendia
Brigavam mosca, mutuca e muriçocas
O sol ligeiramente se escondeu
Relâmpago surgiu acompanhado de trovão
O universo inteiro se tremeu
Por não entender a confusão
O burro tinha mesmo a maldição
Foi criado sem carinho
Desconhecia amor e proteção
Por viver sempre sozinho
Sem tirar nem por
Sonzinho também tinha sua devoção
Pois aprendeu com seu avô
A rezar um punhado de oração
O burro vivia fora do lote
Era realmente mandingueiro
Sonzinho trazia de dote
Os caracteres de bom vaqueiro
O firmamento voltou á normalidade
A luz logo se restabeleceu
Sonzinho aproximou-se com vontade
O burro parado não correu
Com uma corda de laçar
Preparou sutilmente a laçada
Pra o burro não refugar
E escapulir na hora errada.
Quando o bicho sentiu-se laçado,
Tentou fugir de qualquer jeito.
Porem já estava amarrado
Sonzinho foi rápido e perfeito
O burro esbravejou enfurecido
Mordia arrancando pedaços no mourão
Estava completamente possuído
Da forca maligna do cão.
Sonzinho fez valer sua competência
Deixando ao burro acalmar
E com toda sua experiência
Colocou o temeroso pra andar
Já no ritmo do embalo
Encabrestou e desligou a mão no lombo
Facilmente o encabou ao seu cavalo
Pra não sofrer com os tombos
O burro rodopiava fazendo coracoes
Meu povo acredita se quiser
Viajou assim, passando por Lençóis
Até chegar ao Pau de colher
Área para ele um tanto estranha
Solo fértil e diferente
Ali ele fez novas façanhas
Assombrando muito gente
Sonzinho com ajuda dos amigos
Arreou o feroz animal
Montou e deu castigo
Muito além do ideal
Contudo o burro não se entregou
Trazia consigo o instinto infernal
Da sua maneira provou
Que era indiscutivelmente anormal
Sonzinho com certeza percebeu
Que se tratava do coisa ruim
Com seu modo de esperto desceu
Pra se livrar de cair
Mas, não há montador que não caia
Por mais que seu santo proteja
Sonzinho fugiu da arraia
Estava acirrada a peleja
Caros e nobres leitores
A reportagem espalhou na região
Surgiram novos montadores
Querendo tirar o calor de Janelão.
Gilson foi o primeiro
A mostrar a ousadia
Levou uma queda no terreiro
E chorou de agonia
O segundo foi o magrinho pim
Graduado na profissão de leiteiro
Foi bastante um pulo mirim
Pra ele não pensar em ser vaqueiro
O terceiro foi o maro
Que sonhava ser guerreiro
O burro com um salto raro
Acabou o sonho do aventureiro
O quarto foi o locutor Edivaldo
Montava e narrava com perfeição
O burro o enganou e tirou saldo
Deixando pra ele só a narração
O quinto foi um apelidado de Peu
Mango feito um cascavel
O burro pulou tanto veja no que deu
Ele quase foi morar no céu
Desiludidos esses novos montadores
Vale agora, apenas ressaltar
Eles passaram a ser torcedores
Não quiseram mais montar
Já que nenhum deles vingou
Vamos esquecê-los um pouquinho
Lembra que o burro não derrubou
O nosso grande herói Sonzinho
Depois de todo ocorrido
Numa outra ocasião
Sonzinho pegou o burro escondido
Pra demonstrar que era durão
Janelao como um burro despachado
Marchou exibindo categoria
Mas, resolveu ficar empacado
Em frente a casa de Abdias.
Naquele momento Sonzinho ficou aperreado
Tentou provar o seu talento
Mas, Janelão deixou ele prostrado
Junto com o seu arreamento
Sonzinho lambeu a poeira do chão
Tanto quanto aos seus seguidores
Continuou montando, por ter a opinião
Maior que a dos outros montadores
Sonzinho levantou quase que envergonhado
Por passar tamanha decepção
Selou-o novamente bem selado
E subiu nas costas do Janelão
Dessa vez, foi como se diz
Com certeza vai dar ganga
O burro fez o que quis
Sobrou muito pano pra manga
Mas, nós já conhecemos Sonzinho
Ele é resistente e não cede
Tem a coragem do avô Dedinho
E o dom do bisavô Praxedes
Janelão é problemático e revoltado
Perdeu a mãe, ficou jogado ao léu
Híbrido, filhos de pais separados
Enjeitado, criou se de deu em deu
Sonzinho descende de boas criaturas
É firme, não engasga nem embucha
Conta com enigmas de uma cultura
Herdados do paterno avô Pitucha
O burro era forte igual trator
Sonzinho tinha uma insistência soberana
Nenhum dos dois se entregou
Seguiram lutando semanas e semanas.
Sonzinha numa certa feita
Castigou o poderoso a sua maneira
Quando ele sentiu a coisa estreita
Abocanhou ferozmente a estribeira
Abarcou o tope e a bota
Sonzinho fez como manda o esporte
Armou uma das suas patotas
E ganhou por contar com a sorte
O burro travou as dentes
Sonzinho implorou a Deus com fé
Não se sabe como de repente
Ficou livre seu pé
Botas e estribeira foram cortadas
Os pedaços caíram no chão
A situação estava descontrolada
Sonzinho tomava medo de Janelão
Dessa data por diante
O negocio ficou deferente
O burro passou a seu um gigante
E sonzinho um menino carente
Sonzinho numa nova investida
Antes do romper da aurora
Montou em Janelão e deu partida
Com pressa pra ir embora
Janelão não é flor que se cheira
Principalmente assim quando empaca
Sonzinho fez uma brincadeira
E ele se jogou entre duas estacas
Janelão não deixa resposta pra depois
Nem que com isso ele morra
A cerca serviu pro dois
De uma perigosa gangorra
Naquele sobe e desce
Corriam risco duas vidas
Janelão saiu liso, me parece
E Sonzinho com a perna ferida
Mulher, filhos e avós gritavam desesperados
Pedindo sem fazer sussurros
Continue vivo, embora desfeitado
Mas abandone este burro
Sonzinho não mais tosquiava
Pelo contrário, estava sendo trosquiado
Janelão a coroa dele arrancava
Chegava ao fim o seu reinado
Esta batalha insana e amarga
Se deu corpo a corpo sem trambique
O burro voltou a viver na larga
E os montadores foram morar em Piks
Janelao quando sente saudade
Das peripécias que aprontou
Vem sozinho visitar a cidade
Mas, Sonzinho nunca encontrou
Os montadores desejam ver seis irmãos
Ainda guardam lembranças dos arredores
Mas, enquanto existir Janelao
Eles vão ficar distante de Lençóis
Todos eles tiveram suas Glórias
Fracos, fortes, moles e durões
Foi carinhosamente narrada esta historia
Por um membro dos Bridões.
O Pássaro
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